Biotecnologia brasileira em ascensão: a força gerada pela própria natureza
Produtos desenvolvidos a partir da biodiversidade são foco de investimentos e projetos dos setores público e privado.
Biodiversidade é a palavra-chave do mercado brasileiro quando se trata de desenvolvimento sustentável. Isso coloca o país em uma posição privilegiada no mercado global de biotecnologia, que cresce anualmente 15,85% e até 2028 deverá movimentar cerca de US$ 2,44 trilhões, de acordo com a Grand View Research. Há iniciativas conhecidas e consolidadas no país, como o fato de que perto de 25% dos produtos agrícolas são desenvolvidos nesse conceito, e outras mais recentes que surgem a partir da combinação de investimentos privados multissetoriais e programas públicos.
O principal programa governamental está nas mãos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Lançada em 2021, a Rede Brasil-Biotec pretende promover o avanço científico e, para isso, aposta em quatro áreas prioritárias: saúde humana, agropecuária, industrial e ambiental marinha.
“Queremos um ambiente de interação entre institutos de pesquisa, empresas e governo transformando o conhecimento acumulado em produtos”, observa Thiago de Mello Moraes, coordenador geral de ciências da saúde, biotecnológicas e agrárias do MCTI. No ano passado, a Rede Brasil-Biotec lançou duas chamadas públicas, uma pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no valor de R$ 31 milhões para centros de pesquisa e outra de R$ 50 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para empresas.
Moraes informa que o MCTI está em articulação com outros ministérios, como os da Agricultura e da Saúde, para definir prioridades e compor recursos para futuras chamadas públicas. Recentemente, o vice-presidente Geraldo Alckmin exaltou a importância do segmento ao anunciar o novo gestor do Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), que antes era ligado à Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). Agora, sob gestão da Fundação Universitas de Estudos Amazônicos, a instituição se torna uma organização social com mais flexibilidade para captar recursos privados, além do aporte federal de R$ 47 milhões nos próximos quatro anos.
A biotecnologia e a Amazônia são parte da estratégia da Natura há cerca de 20 anos. Segundo Roseli Mello, líder global de P&D da empresa, o modelo de negócios é orientado para o uso de ingredientes renováveis, principalmente os bioingredientes provenientes da sociobiodiversidade amazônica. “Queremos ter o impacto positivo na cadeia em que atuamos, fortalecendo a bioeconomia.” A empresa desenvolveu mais de 42 bioingredientes junto às comunidades de seu ecossistema, onde estão 10.636 famílias agroextrativistas, distribuídas em 48 localidades em todo o Brasil e na América Hispânica.
Desde cedo a inovação aberta entrou no vocabulário da Natura, que conduz projetos em parcerias com institutos de pesquisa, startups, universidades e grandes empresas em todo o mundo. Foi a parceria com uma startup alemã, a AMSilk, que levou ao lançamento de uma bem-sucedida linha de tratamento de cabelos, a Lumina. Foram dois anos de estudo da estrutura da teia de aranha para concluir que a proteína da teia e a do cabelo possuem o mesmo design. Nasceu a biotecnologia Pró Teia, com uma proteína vegana que se acomoda onde há necessidade de reposição da massa capilar.
Com o propósito de ocupar um papel mais significativo no cenário agrícola global, a Bayer tem na biotecnologia um dos seus pilares. “Ela é a base que constrói toda a capacidade produtiva de uma safra e contribui diretamente para a evolução da agricultura”, ressalta Geraldo Berger, diretor de assuntos regulatórios para a América Latina. A empresa conta com um banco de germoplasmas único que lhe garante a inovação. Ao mesmo tempo, desenvolve a próxima geração de ferramentas, como edição gênica para criar sementes projetadas para milho, soja, algodão e vegetais, e novos sistemas para culturas de larga escala, como o milho inteligente Preceon, que proporciona redução da altura da planta e traz vários benefícios no manejo para o agricultor. Também adepta da inovação aberta, a Bayer conta com 35 projetos em andamento junto a universidades, institutos de pesquisa, outras empresas e startups.
A Eurofarma é outra empresa que enxerga grande valor nos esforços da biotecnologia, segundo Martha Penna, vice-presidente de inovação. Ela salienta que o envelhecimento da população tem gerado aumento de doenças oncológicas, neurodegenerativas e de fundo autoimune que podem ser mais bem combatidas com medicamentos biológicos.
Além do desenvolvimento próprio em biotecnologia, a Eurofarma tem outras frentes. Uma delas, em parceria com outras empresas, busca o licenciamento de produtos para fabricação ou venda na América Latina. Uma das parcerias é com a Henlius, farmacêutica chinesa especializada em medicamentos biológicos destinados ao tratamento de diversos tipos de câncer. Na outra ponta, criou a Eurofarma Ventures, fundo corporativo de venture capital focado em biotechs. Ao todo, serão até US$ 100 milhões para investimentos
em startups que tenham projetos em fase inicial de descoberta e desenvolvimento de medicamentos.
Esse mercado exige alto investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que coloca um grande desafio para as biotechs. A Regenera Moléculas do Mar, que desenvolve soluções utilizando móleculas e micro-organismos da biodiversidade marinha, conseguiu conduzir pesquisas ao chamar a atenção de grandes clientes, entre eles a Eurofarma e a Natura.
As soluções extraídas de componentes marinhos são diversas. A empresa finaliza projetos que poderão permitir, por exemplo, o controle de uma das principais pragas da soja, moléculas para antibióticos de novas gerações, insumos para cosméticos ou mesmo dispositivos luminiscentes para iluminação de rodovias. “É preciso olhar para o oceano e como ele pode contribuir”, diz Mário Frota Júnior, fundador e CEO da Regenera Moléculas do Mar.
Os ventos da biotecnologia também chegaram à mineração. Para a Vale, essa área pode ajudar a tornar os processos mais eficientes, reduzir o impacto ambiental e melhorar a sustentabilidade das operações. “É ainda importante na conservação da biodiversidade, que, além da proteção da natureza, nos permite encontrar soluções para problemas humanos e desenvolver cultivares”, diz Guilherme Oliveira, diretor científico do Instituto Tecnológico Vale.
O interesse da mineradora cresceu a ponto de o Fundo Vale selecionar a empresa de capital de risco KPTL para lançar e administrar o fundo florestal e climático, que está investindo em mais de cem startups de tecnologia que beneficiam o meio ambiente e as comunidades. Já a Vale Ventures anunciou investimento na startup de biotecnologia transformacional Allonia, sediada em Boston, nos Estados Unidos. Sua proposta é desenvolver novos sistemas biológicos, que podem ser usados em aplicações industriais e tem potencial de revolucionar alguns processos realizados na mineração.
Por Wanise Ferreira – Valor Econômico – 31/10/2023